SCP, Consórcio, Cooperativa ou S.A.? Entenda Qual Modelo Usar na GD
Avaliação jurídica e prática sob a ótica do risco, governança e escalabilidade
A Geração Distribuída Compartilhada (GD compartilhada), especialmente após a promulgação da Lei nº 14.300/2022, consolidou-se como uma alternativa viável para consumidores que desejam reduzir seus custos com energia elétrica, utilizando sistemas de geração próximos do local de consumo ou de forma remota.
Contudo, para que um projeto de GD compartilhada seja juridicamente seguro e economicamente viável, a escolha do modelo societário adequado é uma das decisões mais estratégicas. Isso porque cada estrutura envolve diferentes implicações tributárias, responsabilidades civis, níveis de governança e formas de relacionamento entre os participantes do empreendimento.
Neste artigo, aprofundamos a análise de quatro modelos amplamente considerados por empreendedores do setor: SCP (Sociedade em Conta de Participação), Consórcio, Cooperativa e Sociedade Anônima (S.A.), destacando os elementos jurídicos e práticos mais relevantes para orientar uma escolha sólida.
1. Sociedade em Conta de Participação (SCP)
Estrutura jurídica contratual sem personalidade jurídica própria
A SCP é um contrato associativo previsto no Código Civil (arts. 991 a 996), em que um sócio ostensivo conduz os negócios em seu nome, com a participação oculta de um ou mais sócios participantes. Essa estrutura não exige registro na Junta Comercial nem CNPJ próprio, embora a Receita Federal atribua CNPJ para fins tributários.
Pontos fortes:
Baixa complexidade e custo operacional reduzido.
Adequada para investidores passivos, que não querem se envolver na gestão.
Pode ser usada com agilidade para formalização de parcerias entre uma empresa desenvolvedora (ostensiva) e diversos investidores (participantes).
Riscos e limitações:
Ausência de personalidade jurídica impede o acesso direto a contratos com distribuidoras ou financiamentos.
Toda a responsabilidade perante terceiros recai sobre o sócio ostensivo.
Risco de questionamento fiscal e regulatório quando usada para simular pulverização de consumidores (ex: cisão artificial de CNPJs).
Pouca transparência entre os sócios, o que pode gerar litígios internos, especialmente sem acordo de participação bem elaborado.
Recomendada para:
Projetos pequenos, com investidores que confiam plenamente no sócio ostensivo e foco em agilidade e baixo custo. Não recomendada para projetos com múltiplos consumidores ou alta rotatividade de participantes.
2. Consórcio
Associação de empresas com finalidades específicas e autonomia operacional
O consórcio é regido pelos arts. 278 e 279 da Lei das S.A. (Lei nº 6.404/1976). É uma associação contratual entre pessoas jurídicas que mantêm sua autonomia, mas se unem para executar determinado empreendimento, podendo atuar com CNPJ próprio e realizar atos administrativos e financeiros vinculados ao objeto do consórcio.
Pontos fortes:
Permite colaboração entre empresas mantendo a independência jurídica de cada uma.
Boa alternativa para operações conjuntas entre desenvolvedoras, EPCistas e comercializadoras.
Possibilidade de centralização de receitas e obrigações operacionais.
Riscos e limitações:
Exige registro do contrato de consórcio na Junta Comercial e obtenção de CNPJ próprio.
Pode gerar responsabilidade solidária entre os consorciados, dependendo da redação contratual.
Inviável para consumidores residenciais ou pessoas físicas, já que apenas pessoas jurídicas podem ser consorciadas.
Não se presta à finalidade de distribuição de energia para terceiros como consumidores finais.
Recomendada para:
Empreendimentos desenvolvidos por duas ou mais empresas com objetivos comuns na GD, especialmente em parcerias empresariais. Exige formalização rigorosa e cláusulas claras de governança e responsabilidade.
3. Cooperativa
Pessoa jurídica com natureza própria e fim não lucrativo, regida por princípios específicos
A cooperativa é regulamentada pela Lei nº 5.764/1971 e reconhecida expressamente pela Lei nº 14.300/2022 como modelo legítimo para GD compartilhada. Nesse formato, os consumidores se associam como cooperados com objetivo comum de gerar e utilizar energia elétrica de forma coletiva.
Pontos fortes:
Reconhecimento legal direto na legislação da GD.
Potenciais benefícios fiscais, como isenção de IRPJ e CSLL sobre atos cooperativos.
Participação igualitária dos cooperados e viabilidade para projetos com múltiplos beneficiários.
Ideal para comunidades, condomínios, produtores rurais e pequenos consumidores.
Riscos e limitações:
Deve seguir princípios cooperativistas reais (adesão voluntária, gestão democrática, retorno proporcional, entre outros).
Pode ser descaracterizada se operada como fachada de empresa privada.
Requer estrutura mínima de governança: assembleias, diretoria, prestação de contas.
Rotatividade de cooperados pode gerar desafios de gestão.
Recomendada para:
Projetos com múltiplos consumidores (inclusive residenciais ou rurais), especialmente onde há senso de comunidade ou interesse coletivo. Requer planejamento para que não se afaste dos princípios do cooperativismo e perca segurança jurídica.
4. Sociedade Anônima (S.A.)
Pessoa jurídica empresarial com estrutura societária robusta e abertura a investidores
A S.A., regida pela Lei nº 6.404/1976, é a forma societária mais estruturada, permitindo captação de capital por meio de ações e participação de diversos investidores. Pode ser de capital aberto (submetida à CVM) ou fechado.
Pontos fortes:
Maior segurança jurídica e governança corporativa.
Permite entrada e saída de investidores com facilidade via ações.
Possibilidade de financiamento via debêntures, FIDCs, notas comerciais.
Responsabilidade limitada ao capital subscrito.
Riscos e limitações:
Custo de manutenção elevado (auditoria, publicação de balanços, governança).
Exige contabilidade formal rigorosa e regras de compliance.
Excesso de complexidade para projetos de pequeno porte.
Pode afastar participantes menos sofisticados ou consumidores finais.
Recomendada para:
Projetos de grande porte ou com perspectiva de escalar; quando há múltiplos investidores institucionais ou intenção de captação no mercado de capitais. Também é ideal para projetos estruturados sob holdings e veículos de investimento.
Conclusão Estratégica
A decisão sobre o modelo societário em projetos de GD compartilhada não é apenas jurídica — é estratégica e regulatória. A escolha inadequada pode resultar em riscos fiscais, litígios societários, problemas de compliance e até invalidação do modelo perante a ANEEL ou Receita Federal.