ICMS na Autoprodução de Energia por Arrendamento: Entenda por que não Incide o Imposto

A autoprodução de energia elétrica tem ganhado espaço significativo no Brasil, especialmente com o avanço da Geração Distribuída (GD) e os modelos alternativos de fornecimento e uso de energia. Dentre essas modalidades, destaca-se a autoprodução por arrendamento, na qual o consumidor utiliza uma usina (ou parte dela) arrendada para gerar energia destinada exclusivamente ao seu próprio consumo.

Nesse cenário, surge uma dúvida recorrente: há incidência de ICMS no deslocamento da energia produzida e consumida pela mesma empresa?

O que diz a legislação e a jurisprudência atual?

O ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) incide, em regra, sobre operações que envolvam circulação jurídica de mercadorias, o que pressupõe transferência de titularidade do bem, normalmente com objetivo de lucro.

Contudo, o simples deslocamento físico de bens entre estabelecimentos do mesmo titular (ainda que localizados em estados diferentes) não configura circulação jurídica. Este entendimento é pacificado na jurisprudência brasileira, a exemplo de:

  • Súmula 166 do STJ: “Não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte.”

  • Tema 259 do STJ (repetitivo): Reforça que, ausente a transferência de titularidade, não há incidência do imposto.

  • Tema 1099 do STF (ARE 1255885 – Repercussão Geral): O Supremo Tribunal Federal concluiu que não incide ICMS sobre o deslocamento de bens entre estabelecimentos do mesmo contribuinte situados em unidades federativas distintas, justamente por inexistir operação de circulação jurídica.

Energia elétrica como mercadoria: o que muda?

A energia elétrica é equiparada a mercadoria para fins de tributação pelo ICMS, conforme previsão constitucional e legislação infraconstitucional. Entretanto, é necessário que haja uma operação onerosa com transferência de titularidade para que o imposto seja exigível.

No caso da autoprodução por arrendamento, a energia é gerada por meio de uma usina arrendada exclusivamente para atender ao consumo próprio do arrendatário. Ou seja:

  • Não há venda de energia;

  • Não há transferência para terceiros;

  • Toda a energia gerada é utilizada pelo próprio titular do contrato de arrendamento.

Dessa forma, não há fato gerador do ICMS, pois não ocorre circulação jurídica da energia elétrica, apenas deslocamento físico para consumo interno.

Modelos que não geram ICMS

A não incidência do ICMS tem sido reconhecida nos seguintes modelos:

  • Autoprodução tradicional “fora da cerca” – geração em local diferente do consumo, com uso exclusivo pelo titular.

  • Autoprodução via consórcio sem personalidade jurídica – em que os consorciados produzem energia para uso próprio, sem que haja venda entre eles.

  • Autoprodução por arrendamento – como mencionado acima, desde que não envolva comercialização da energia.

Já nas situações em que há uma Sociedade de Propósito Específico (SPE) gerando energia para seus sócios ou terceiros mediante contrato de venda, há incidência de ICMS, pois configura operação com transferência de titularidade.

Perspectivas com a Reforma Tributária

Com a promulgação da Emenda Constitucional nº 132/2023, que institui o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), a expectativa é de que o princípio da não incidência em deslocamentos internos se mantenha. Isso porque o IBS, assim como o ICMS, deverá incidir apenas sobre operações onerosas com transferência de bens e serviços a terceiros.

Conclusão

A jurisprudência atual dos tribunais superiores é clara ao reconhecer que não há incidência de ICMS na autoprodução de energia elétrica para consumo próprio, inclusive quando realizada por meio de arrendamento de usina, desde que não haja circulação jurídica ou comercialização da energia. Esse entendimento reforça a segurança jurídica para empresas que buscam alternativas de autogeração e eficiência energética, especialmente em modelos de Geração Distribuída.

É fundamental que contribuintes interessados em formalizar tal modelo adotem um planejamento jurídico e tributário consistente, com eventual requerimento à autoridade fiscal competente, para garantir o correto enquadramento da operação e evitar autuações indevidas.

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